Por Horácio Friedman

O filme “Lolo” tem em Julie Delpy a autoria do roteiro, a direção e o protagonismo. Seria portanto difícil negar a possibilidade de que haja um caráter pessoal, “autobiográfico”, na obra, conquanto seja esta evidentemente ficcional.

 

Personificando Violette, uma atraente divorciada em seus 45 anos, a artista parece transmitir uma personalidade neurótica beirando a histeria, se considerarmos para esta, a concepção de Françoise Dolto, a de um comportamento inconscientemente manipulador (1).

 

O enredo relata, a meu ver, uma fantasia sobre um relacionamento a três. A mãe, Violette e seu único filho Lolo, de 19 anos, convivem intimamente sob o mesmo teto. Surge então o terceiro elemento, Jean-René, também divorciado, com faixa etária similar à de Violette, candidato a “padrasto”.

 

O filme se inicia no cenário de Biarritz, onde a parisiense Violette, bem sucedida profissional da moda, desfruta de férias na companhia de duas amigas, igualmente solitárias. Carentes, o tema central das confabulações entre as três confidentes é o sexo. Este é reduzido a questões de necessidade fisiológica e de anatomia da genitália através de piadas talvez grosseiras e de gosto duvidoso. Romance, relacionamento prolongado e amor parecem não cogitados. Violette é o centro das atenções nas conversas e seu humor é particularmente azedo e cáustico, transparecendo uma mulher mal-humorada e mal-amada, ostensivamente carente de afeto e portanto insatisfeita. Ela é encorajada por suas amigas a uma aventura com o recém-apresentado Jean-René, considerado um “caipira” desajeitado pelas três, numa solução urgente e em princípio provisória, à manifesta carência sexual de Violette. Esta praticamente seduz Jean-René durante um jantar na mesma noite.

O filme salta deste momento à semana seguinte, Violette já embarcando no trem a Paris e um apaixonado Jean-René dela se despedindo em meio a promessas de reencontro em breve. No trem, Violette relata à sua amiga detalhes “sórdidos” da semana de sexo selvagem. O hiato entre o jantar de sedução e o embarque no trem talvez tenha sido gerado pela ansiedade da própria autora. De fato, o núcleo da fita é o relacionamento a três e ela parece ansiosa para introduzir o jovem Lolo.

Assim, no reencontro amoroso de Violette e Jean-René, surge Lolo e ele é dissimulado, apresentando-se como um rapaz maduro e aberto às novas perspectivas amorosas da mãe. Contudo, ele passa a sabotar o relacionamento, inicialmente através de delitos menores e, diante da pouca eficácia desses, por meio de um plano mais sério, simulando para Violette que teria ocorrido uma noite de sexo entre duas jovens e Jean-René, o que causa uma reação de ciúmes por parte de Violette e a separação de ambos exatamente na manhã em que Jean-René sonhava alcançar sua realização profissional apresentando um programa de computador a um banqueiro. O programa foi porém contaminado por Lolo, de modo que a apresentação de Jean-René é um desastre, levando-o à prisão. O ciúme edipiano havia pois triunfado através da perversão de Lolo. O substituto do pai havia sido eliminado.

Contudo, a trama é uma comédia e o tradicional  happy end é mandatório. Assim, Jean-René consegue recuperar o programa e desmoralizar Lolo perante Violette, que se inteira, através de testemunhos e de um diário de Lolo, da sabotagem que este cometera contra seu próprio pai, induzindo Violette ao divórcio, bem como de eventos posteriores em que a perversão de Lolo se concretizou em afastamento de Violette de outros pretendentes, incluindo Jean-René.

Assim, caminhamos para outra etapa da história, em que Violette e Lolo travam um breve diálogo, no qual ele declara seu amor por ela desde a infância, que ele entendia como correspondido, amor esse talvez mais do que filial e, de qualquer forma, caracterizado por apego doentio, fixação amorosa à mãe, a um complexo de Édipo negativamente resolvido (2). Uma imagem fugaz, aparentemente desejando representar um “desmame selvagem”, abrupto (3) é também exibida nessa fase do filme, como uma evocação, talvez recordando a Violette um fator patogênico na perversão de Lolo. A ambivalência (4, 5) se expressa enfim de várias formas nesse relacionamento doentio de apego. Violette determina a Lolo que se mude e que não interfira mais em sua vida.

 

O filme caminha a seu final. Violette, arrependida de seus erros de julgamento a respeito de Jean-René, o procura novamente. Agora em Londres, se reencontram numa noite de amor.

 

Édipo foi pois finalmente vencido pelo pai.

 

Addendum: Ao amanhecer, Violette cruza porém com a filha de Jean-René, aparentemente a versão feminina de Lolo. Ao que tudo indica, o romance será doravante desafiado por um tema ainda mais controverso: o complexo de Édipo na menina.

 

 

  1. Dolto, F. A imagem inconsciente do corpo. Terceira Edição. Editora Perspectiva S.A., São Paulo, 2015.
  2. Kahn, M. Freud básico. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2002.
  3. Dolto, F. Psychoanalysis and Paediatrics. Karnac Books Ltd., London, 2013
  4. Freud, S. An autobiographic study. Ed. Strachey, j.; W.W. Norton & Co., London, 1952
  5. Bowlby, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. Martins Fontes. São Paulo, 1982