Se um marciano chegasse à Terra e escutasse o vocabulário de um jogo da Copa do Mundo, o seu cogito seria levado para caminhos de grande estranheza ou uma inquietante estranheza. “atacou a Inglaterra”, “contra-atacou”, “artilheiro em ação”, “estratégia de defesa”, “estratégia de contra-ataque”, “controle de ataque” etc. O marciano pensaria que o planeta estaria em guerra.
Nada disso. Pode até ser que o football seja um conflito simbólico entre nações, onde o Lebenstrieb (a pulsão de vida) e o Todestrieb (a pulsão de morte) estruturam o órgão chamado libido a atuar. Se for na erótica dos sujeitos, ótimo! Mas, o pathos, a louca paixão futebolística, pode se constituir no Real lacaniano da morte. A torcida de dois partidos ingleses jogou na Bélgica em 1985. Em conflito, os passionais Hooligans em mortífero acting out, retiraram a vida de 38 belgas.
Passemos ao nosso analisando que está no divã: a seleção brasileira. Se o jogo tem metáforas bélicas e metáforas do Eros, mais do que nunca uma seleção ocupa o lugar do Um ou o Quase-Um. A desintegração desse Quase-Um foi o grande sintoma da seleção brasileira. Um deus humano na seleção?! O chefe da seleção dava bizarras entrevistas à mídia. Dizia ele: O jogador N é responsável pela vitória brasileira. Implícito estava que aquele jogador era o Um ou o Quase- Um. Implícito também estava que os demais jogadores, sem o Quase-Um, seriam o Quase-Zero. Ainda mais grave. Durante o hino nacional mostraram a
camisa daquele que simbolicamente estava “morto” para aquela partida. Atitude mais grave ainda. Pois os cuidadores da psiqué dos jogadores, não descolaram o emocional e os atos do Quase-Todo, da camisa 10, do deusinho.
Saiamos um pouco dessa matemática lacaniana. Ou entremos de vez no discurso lacaniano “Le moi c’est l’Autre”, “o Eu é o Outro”. Nossos dirigentes futebolísticos anularam a alteridade do Eu dos jogadores. Como? Criando um deus no time brasileiro, o deus N. Entrevistas dele ao lado do treinador. A mídia repetia, repetia. Como se fosse o retorno do recalcado na formação de compromisso e do sintoma. O técnico alemão dando entrevista ao lado de um dos jogadores, endeusando um deles. Isso não foi visto, pelo que me consta. Valia o Quase-Um ou o Quase-Todo. Qual seja, todos os jogadores ocupando o mesmo lugar simbólico, nenhum com privilégios. Deusinhos e outros sintomas escritos no grupo alemão, não!…
O resultado na matemática lacaniana da psicanálise era previsto. A tragédia simbólica estava escrita como grande sintoma. Se os dirigentes brasileiros não leram, a estrutura clínica se torna mais grave. Para o alívio da nação, todos no divã já!… Nesta psicanálise em extensão, não está no divã o sujeito qualitativo do jogador, mas o seu Outro (Autre) está.
Nós psicanalistas não trabalhamos com contratransferência, mas até nós analistas ficamos tristes e solidários com a seleção e a nação brasileira.
Doutor Campos, Psicanalista
Brasília, 08 de Julho de 2014